Quando é necessário resolver um problema ou atingir um objectivo, não é boa ideia ficar parado com o pensamento que “a maneira “correcta”, ou melhor dizendo, “ortodoxa” de resolver isto é esta, sempre foi, portanto como não tenho meios ou conhecimentos para resolver a questão da maneira considerada aceitável então espero até ter os meios e conhecimentos, e até lá não faço nada”. Geralmente – e isso pode ser ou não grave conforme o caso de que se trate - o objectivo fica por atingir, porque entretanto nos vamos ter de dedicar a outras coisas.
Isto não exclui que se deixe de estudar ou aprender as melhores técnicas ou práticas – é necessário é ter em conta até que ponto queremos ou necessitamos atingir o objectivo num determinado prazo ou com determinados custos.
A História dá-nos milhares de exemplos ao longo dos milénios, dos quais vou dar um exemplo concreto. Vou também relatar um pequeno episódio passado comigo há alguns anos.
Primeiro exemplo (grande, estratégico):
Depois de ter sido invadida três vezes ao longo de um século pela Alemanha, a França resolveu que era tempo de fazer alguma coisa para impedir que isso voltasse a acontecer. Em meados dos anos 1930 começaram a construir uma linha de defesa impressionante, verdadeiramente brutal, de fortificações ao longo da fronteira franco-alemã – a linha Maginot. As fortificações iam desde a fronteira com a Suíça, a Sul, até à fronteira com o Luxemburgo, a Norte. Era uma linha construída em profundidade, incluía uma rede de túneis por onde as tropas, as munições e os abastecimentos eram transportados por comboios eléctricos, tinha ar condicionado, alojamentos, refeitórios. Era efectivamente inexpugnável para os meios de militares da época.
Havia uma pequena interrupção, ou melhor atenuação, das fortificações na zona do maciço e floresta das Ardenas, que eram considerados intransponíveis – nunca exército nenhum na História tinha conseguido transpor as Ardenas. Por outro lado, a Bélgica e o Luxemburgo eram países amigos, não havia razão para fazer na respectiva fronteira fortificações tão complexas e tão caras, e ainda por cima em terreno alagadiço.
O raciocínio francês foi muito linear e muito ortodoxo: “nunca um exército em ordem de combate conseguiu passar as Ardenas, e os alemães certamente nem sequer o vão tentar; por outro lado, para invadirem pelo Norte teriam de começar por invadir a Bélgica e atravessar o Luxemburgo, o que politicamente é impensável; portanto, esta é a solução correcta, estamos bem defendidos e nunca mais nos invadem”
O resto á sabido. Os alemães resolveram mesmo invadir a França, e como não podiam ir de frente tinham que arranjar outra solução - atravessaram efectivamente as Ardenas, e ao mesmo tempo invadiram a Bélgica. E a França lá foi novamente invadida pela Alemanha.
A solução teórica dos franceses era tecnicamente muito interessante e correcta – mas não contou com uma abordagem não-ortodoxa e não-clássica dos alemães. Quanto à linha Maginot, nunca foi atacada. Os alemães consideraram que seria uma perda de tempo e de meios – as fortificações eram efectivamente inexpugnáveis para os meios militares da época - e ainda lá está para amostra, com custos de conservação elevadíssimos (mas é tão forte que não é possível demoli-la)
Segundo exemplo (pequenino, prático):
Há anos o meu sogro quis retirar os quatro rodízios metálicos, cravados, de uma antiga mesa metálica de consultório. Os rodízios estavam cravados nas extremidades das pernas da mesa, em hastes de uns 8mm de diâmetro com a ponta bem martelada.
Estava lá um tio da minha mulher, que sempre tinha trabalhado como técnico em fábricas de metalomecânica, e que era aliás um excelente técnico de produção. E estava lá eu, com alguma prática industrial mas ainda pouca, mas com muita prática de resolver pequenos problemas de ordem… prática, passe a redundância.
O tio declarou que a maneira tecnicamente correcta de cortar a cabeça de uma peça cravada era com um escopro e um martelo. Efectivamente, é a maneira mais rápida – se as ferramentas e o suporte forem do tamanho e peso adequado. Havia um escopro não muito grande, talvez uns 20 ou 25cm, e um martelo relativamente ligeiro; quanto aos suporte –as mãos e o chão; mas resolveram atacar com isso.
Eu objectei que com aquelas ferramentas não ia dar, e que como tínhamos uma lima bastarda grande era preferível limar a cabeça da haste. Mas como não era a maneira tecnicamente correcta, e “o tio tem mais experiência e sabe como é que se faz…”, decidimos que elas iriam atacar as cravações de duas das rodas com o escopro e martelo, e eu iria tratar das outras duas com a lima.
Vinte minutos depois de eu ter descravados as minhas duas rodas, ainda estavam a bater na desgraçada da primeira deles.
Isto tudo para dizer – quando tiverem de resolver um problema, não se deixem limitar pela ortodoxia. Se não tiverem os meios ou conhecimentos técnicos adequados para, naquele momento, atingir o objectivo da maneira “correcta”, pensem em alternativas exequíveis. Não serão provavelmente as melhores ou as mais elegantes, mas se resolverem o problema satisfatoriamente o objectivo terá sido atingido.
Sem prejuízo de preparar melhor – estudando e praticando - uma futura actuação.