Continuo a pensar que não há no fórum muitos interessados em ferramentas manuais, mas para os raros que estejam a pensar eventualmente comprar uma plaina de rebaixos Stanley #78 aqui vai algum "feedback".
A primeira vez que utilisei a minha tive uma trabalheira para conseguir uma afinação mínimamente aceitável Resolvi demontá-la toda e verificar peça a peça. E arranjei uma data de trabalhos...
Tenho que reconhecer que o nosso caro Cerdeira tem razão quando considera (ou assim me pareceu) a #78 um bocado rústica. É, sem dúvida. Ao longo dos seus 100 anos de existência tem feito um bom serviço a muita gente. Mas quando se começa a querer que fique como deve ser...
Aqui vai:
Ferro
O ferro não vem plano nem polido. Habitual nos ferros de 2mm da Stanley. A preparaçao geral é a standard, com a excepção do promenor da geometria do gume. Há várias teorias relativamente a esta plaina específica - gume a 90º, gume inclinado ("skewed"), gume mais largo do que o resto do corpo do ferro, lados do ferro com uma ligeira "saída" para facilitar o deslize na face lateral do rebaixo...
Como a afinação desta plaina não é fácil - folga-se a placa e tudo mexe para todos os lados - e verifiquei que o ferro tem de origem uma "saída" de uns 5º de cada lado (para poder ser usado à esquerda e à direita), optei por afiar a 90º, sem mais requintes.
- Corpo - a planimeria e a esquadria dos lados relativamente ao rasto era boa. O acabamento era muito áspero o que, entre outras coisas, facilita a criação de ferrugem. Tudo passado por lixa de água 600 assente numa placa de vidro, ficou aceitável. Não mexi na cama do ferro porque me pareceu aceitável e o resto estava muito pior... (ver fotografia 001)
- Batente de profundidade - a superfície necessitou apenas o mesmo tratamento que o corpo (lixa 600) (ver fotografia 001)
- Alavanca de afinação da profundidade do ferro - aqui começaram os trabalhos. A fenda era muito estreita, ou tinha levado uma pancada, não agarrava bem todas as ranhuras do ferro (que, aliás, tinham espessuras varíáveis...) portanto o movimento não era muito consistente. Alarguei ligeiramente a ranhura e corrigi a forma com uma lima de calado, ficou a funcionar bem (fotografia 002)
- Placa e parafuso de fixação do ferro - aqui então passamos aos trabalhos a valer.
a) a cabeça do parafuso tem uma parte ligeiramente cónica, que é suposta, penso, entrar num alojamento na placa. Só que o alojamento não existia - a parte cónica da cabeça do parafuso assentava directamente nos lados do rasgo da placa. Resultado- ao apertar, a placa mexia-se de uma forma mais ou menos aleatória. Resolvi montar a placa no engenho de furar e fazer um alojamento com um escariador. E aqui é que a porca toce o rabo - o metal da placa é duro que se farta. Depois de muito trabalho e com a ajuda de um rascador acabei por conseguir fazer um alojamento "mais ou menos" - mas dei cabo do escariador (nem vou tentar recuperá-lo, no estado em que está) e tive de afiar a fundo o rascador. Deve ser por isso que existem uma arranhadelas, que já não tive paciência para tirar, na superfície cónica da cabeça do parafuso - a placa é tão dura que o riscou (fotografia 003 - do lado esquerdo, o parafuso e a placa tal como vinha de origem; do lado direito, o alojamento escariado na placa e o parafuso montado no alojamento)
b) planimetria e geometria da zona de assentamento da placa no ferro - uma verdadeira desgraça. Não sei se a desgraça era da pintura ou da peça em si, porque não consegui entrar lá com uma lima. Como considero este um pormenor importante da plaina, foi directamente para a placa diamantada até estar mínimamente aceitável. Não tentei tirar todas as marcas de poros da fundição - teria ficado sem placa. Limitei-me a obter uma superfície genéricamente plana, o suficiente para um aperto correcto (fotografia 004 - a zona de assentamento da placa antes e depois...)
- Guia - mais trabalho. Como já tinha mencionado há tempos (ver o tema "feiras de velharias"...), a face de encosto da guia não estava à esquadria com o rasto da plaina. Ao que parece, é relativamente frequente (ou, mais precisamente, parece ser a regra..) nas #78. Como esta esquadria é importante para obter rebaixos correctos, resolvi corrigi-la. Pensei inicialmente em fazer uma sobre-guia de madeira, acabei por optar por desbastar a face de encosto da guia na placa diamantada até estar como deve ser, após o que lhe dei o "tratamento" com a lixa 600(fotografias 001-acabamento e 005-esquadria corrigida)
Depois disto tudo, tenho uma plaina mínimamente capaz. Não excluo que possa vir a encontrar mais alguma coisa que não goste! Ainda pensei imaginar e fazer um sistema de afinação lateral do ferro, que não existe na #78 - e, como já disse, quando se folga o parafuso de aperto da placa tudo mexe. Mas já não tive paciência. Fica para uma dia (improvável) em que esteja com pouco que fazer e tenha muita paciência...
Agora, quem quiser comprar uma Stanley #78 já sabe ao que vai e não pode alegar desconhecimento...
Divirtam-se
Ah, e se quiserem que deixe de falar em ferramentas manuais estejam à vontade para dizer...
G.